sábado, 7 de março de 2009

McDonald's

Uma vida assim, assim como um carro em ponto-morto e torto. Gostava de passarinhos, chão molhado e livros. Cheirinho de roupa lavada e filmes noir: nesses momentos, lembrava-se das Sessões da Tarde, quando a mãe lhe abraçava com bandejas de pipoca com guaraná.

Gostava da pequena casa, agora solteira, no meio do pequeno sítio, no meio do silêncio preenchido por lembranças e bem-te-vis sopranos. Sentia-se protegido; estar na casa era como se estivesse no útero da mãe ou da mulher amada.

Gostava de música: "Eu quero a sorte de um amor tranqüilo/Com sabor de fruta mordida/ Nós na batida, no embalo da rede/ Matando a sede na saliva/Ser teu pão, ser tua comida/ Todo amor que houver nessa vida/E algum trocado pra dar garantia/E ser artista no nosso convívio/ Pelo inferno e céu de todo dia/ Pra poesia que a gente não vive/ Transformar o tédio em melodia/ Ser teu pão, ser tua comida/ Todo amor que houver nessa vida/ E algum veneno antimonotonia/ E se eu achar a sua fonte escondida/ Te alcance em cheio o mel e a ferida/ E o corpo inteiro feito um furacão/ Boca, nuca, mão, e a tua mente/ Não ser teu pão, ser tua comida/Todo amor que houver nessa vida/ E algum remédio que me dê alegria".

Embora solitária e cheia de estrias, a casa era alegre de pensamentos e sentimentos. Paredes cúmplices de vasos vazios. Mas havia goteiras pingando pingos ainda de amor.. Não queria corrigir erros, também gostava deles, eram eles que mostravam alguns acertos. Gostava de lembrar das despedidas, e chorava ao relembrar os reencontros.

Sempre se lembrava do poeta: "A vida é a arte do encontro". Gostava da coleção de gibis, dos super-heróis que durante um bom tempo supriram a ausência do pai.

Gostava de andar na chuva, do cheiro de mato verde, do beijo na virilha dela, doce como sirigüela, da vagina feliz de soluços, do jeito dela pedir, do jeito dela subir, do jeito dela fugir, da camiseta furada que ela usava para dormir, do jeito que ela dizia "morri".

Assim ficava na casa, conferindo a coleção de topadas, abrindo feridas e acariciando cicatrizes.

Um slogan publicitário foi a luz, o relâmpago que a tudo iluminou. Ao ver a frase do McDonald's, disse: "Meu Deus", 'amo muito tudo isso.'

Norton Ferreira

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