segunda-feira, 4 de julho de 2011

Por Milly Lacombe


Quero acordar do seu lado num domingo de manhã e saber que não temos hora para sair da cama.


E, depois, ir tomar café na padaria e ler o jornal com você. Quero ouvir você me contar sobre o trabalho e falar detalhadamente de pessoas que eu não conheço, e nem vou conhecer, como se fossem meus velhos amigos.


Quero ver você me olhar entre um gole de café e outro, sem nada para dizer, e apenas sorrir antes de voltar a folhar o caderno de cultura. Quero a sua mão no meu cabelo, dentro do carro, no caminho do seu apartamento.


Quero deitar no sofá e ver você cuidar das plantas, escolher a playlist no ipod e dobrar, daquele seu jeito metódico e perfeccionista, as roupas esquecidas em cima da cama. E que, sem mais nem menos, você desista da arrumação, me jogue sobre a bagunça, me beije e me abrace como nunca fez antes com outra pessoa.


E que pergunte se eu quero ver um DVD mais tarde. Quero tomar uma taça de vinho no fim do dia e deitar do seu lado na rede, olhando a lua e ouvindo você me contar histórias do passado. Quero escutar você falar do futuro e sonhar com minha imagem nele, mesmo sabendo que eu provavelmente não estarei lá.


Quero que você ignore a improbabilidade da nossa jornada e fale da casa que teremos no campo.


Quero que você a descreva em detalhes, que fale do jardim que construiremos, e dos cachorros que compraremos. E que faça tudo isso enquanto passa a mão nas minhas costas e me beija o rosto.


Quero que você nunca perca de vista a música da sua existência, e que me prometa ter entendido que a felicidade não é um destino, mas a viagem. E que, por isso, teremos sido felizes pelos vários domingos na cama e pelos sonhos que comparilhamos enquanto olhávamos a lua.


Que você acredite que não me deve nada simplesmente porque os amores mais puros não entendem dívida, nem mágoa, nem arrependimento. Então, que não se arrependa. Da gente. Do que fomos. De tudo o que vivemos. Que você me guarde na memória, mais do que nas fotos.


Que termine com a sensação de ter me degustado por completo, mas como quem sai da mesa antes da sobremesa: com a impressão que poderia ter se fartado um pouco mais.


E que, até o último dia da sua vida, você espalhe delicadamente a nossa história, para poucos ouvintes, como se ela tivesse sido a mais bela história de amor da sua vida. E que uma parte de você acredite que ela foi, de fato, a mais bela história de amor da sua vida.


Que você nunca mais deixe de pensar em mim quando for a Londres, escutar Dream’ Bout Me ou ler Nick Hornby. E, por fim, que você continue a dançar na sala. Para sempre. Mesmo quando eu não estiver mais olhando.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

PONTAPOEMA 5

(À praia de Ponta Negra - Natal/Brasil)

"Não
O Morro do Careca
Não é um Morro
É uma noiva
Vista de costas
Eternamente a admirar
Seu noivo sol."

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

PONTAPOEMA - 4

(À praia de Ponta Negra - Natal/Brasil)

"Redes ao mar
Riqueza nos arrastões
Eu ali
Testemunha da bravura do peixe
E da força de seu Joquinha
Comida garantida
Para os filhos e seus camaradas
Peixes não há mais
E assim arrastaram seu Joquinha."

"De tuas areias
Tiraram as barracas
Impuseram-te uma
Modernidades que não pediste
Não sabiam eles
Que eram templos de adoração
Armados aos teus pés."

"Aviões passam sobre ti
Rugindo turbinas de amores
Piscando luzes de conquista
E tu, indiferente
Na tua beleza de ser e estar."

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

PONTAPOEMA - 3

(À praia de Ponta Negra - Natal/Brasil)

"Como são bonitos e sinceros
Os Bem-te-vis de
Pnta Negra
Quando eles cantam bem-te-vi
É porque eles bem-te-viram mesmo."

"Curvado vivo
Na curva da tua enseada
Onde passeiam
As curvas."

"Só tu tens
A enseada do útero
Que acolhe e
Dá à vida
Aqui me fizeste filho
Filho da mais bela
Das mães."

"São mais belos
Os cavalos de tuas nuvens
A lua narcísica
Beija doce tuas águas
Espelho de prata
Onde afogo desejos e olhos."

"Ninguém se veste
Para a noite
Melhor que você
Sejam putas
Damas ou rainhas
Vai, Ponta Negra,
Ser amada na vida."

"Cantam a tua beleza
Teu azul e
Teu morro que não morre mais
Esquecem tuas meninas alegres
De batons sonolentos e tristes
Dos bêbados sonhados de
Sonhos que não vão se realizar
Dos ambulantes que falam Inglês
E passam fome em Português
Dos mendigos artistas que
Dignificam a esmola
E que renascem com a
Força da vida
No teu amanhecer."

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

PONTAPOEMA - 2

(À praia de Ponta Negra - Natal/Brasil)

“Minha Lady Ponta Negra
Como este mar velho e cansado
Aqui também vivo eu
Feliz
A lamber os teus pés.”

“Ponta Negra da Costeira
De mar plano que ondula
Quisera ser Moisés
Mas sobre teu azul
Sei que posso voar, voar.”

“Teu vento não sopra
Sussurra
Tua beleza não encanta
Arrebata
Ponta Negra, Ponta Negra
Não levantes, dorme mais um pouco
Tua preguiça é teu charme.”

"Só eu e eu amamos você
Acordamos bêbados da tua beleza
Você me fez dois para caber em mim
Obrigado por me fazer um homem duplicado."

"Estão mais bonitos
E floridos
Os ipês de Ponta Negra
Isso desde que por aqui
Aportaram os gringos
Ciúmes?"

"A beleza da praia de
Ponta Negra?
Como descrever a beleza
Da praia de Ponta Negra
Se a beleza das praias do mundo
É a beleza da praia de Ponta Negra?"

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

PONTAPOEMA - 1

(À praia de Ponta Negra - Natal/Brasil)

"Manchas de baton
Katchup e calabresa
E assim
Numa manhã
O guardanapo fugia e voava
Com mais um segredo
Dos amantes de Ponta Negra
Invejo-lhes a noite."

"Minha Ponta Negra
Nada tenho a oferecer
Trago na mochila reles poemas ralos
Como tuas areias
É tudo o que tenho
São o que restou
No quintal de uma existência."


"Flores 'buquê-de-noiva'
há muitas em Ponta Negra
Todas são bem-vindas
Às mãos das meninas de Ponta Negra
Uma, pelomenos."

"Gosto das acássias de Ponta Negra
São namoradas que me ignoram
Mas que se embelezam pra mim."

"Ha, Ponta Negra
Minha menina
Desculpe pisar seu vestido
Derrubar seu sorvete
Roubar seu ar
E não beijar suas feridas
A ingratidão é o prêmio a quem se ama."

"Ponta Negra é
A minha Amy Winehouse:
Linda, doida e
Recatadamente safada
Preservo assim
Meu pedacinho de felicidade:
A eterna falta de juízo."

sábado, 22 de janeiro de 2011

POENOITE - 1

(salvados do sereno)

"Abelha
Não tires tanto
O mel da minha flor
Abelha
Não piques tanto a minha dor."

"Respeito as
Cinzas do cigarro
Fruto de um prazer
Que extraí
Diferentemente das cinzas
que sobraram de você."

"Não se assuste
Nem se vanglorie
Com um cantada
Até os grilos cantam."

"Sei que
Te amei tanto
Porque a dor que sinto
Não sabe como doer."

"Por que esse desamor
Se nunca houve amor?"

"O mar quebra e arrebenta.
Eu, Nada."

"Eu sei que ela chegou.
Não vi. Diante da sua beleza,
as flores tremeram. Murcharam.
Morreram."

"Ah, chuva
Como perdes teu tempo
Estou seco de tudo."

"Invejo a garrafa. Em
lugar nenhum aportei."

"O espelho você quebrou
Passou um giz no mundo
Por mais que eu não veja
É você que eu vejo."

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Amsterdã - Jacques Brel

"No porto de Amsterdã
Há marinheiros que cantam
Sobre os sonhos que os assombram
Ao redor de Amsterdã
No porto de Amsterdã
Há marinheiros que dormem
Como as bandeiras penduradas
Ao longo das margens escuras
No porto de Amsterdã
Há marinheiros que morrem
Cheios de cervejas e dramas
Às primeiras luzes do dia
Mas no porto de Amsterdã
Há marinheiros que nascem
No espesso calor
Dos fracos oceanos
No porto de Amsterdã
Há marinheiros que comem
Sobre toalhas também brancas
De peixes gotejantes
Eles mostram os dentes
Que mastigam o destino
Que engolem a lua
Uma baforada de caras
E cheira a bacalhau
Diretamente no coração das batatas fritas
Que suas grandes mãos convidam
A retornar uma vez mais
Então, levantam-se a rir
Com um ruído de tempestade
Fecham suas braguilhas
E partem arrotando
No porto de Amsterdã
Há marinheiros que dançam
Esfregando suas barrigas
Nas barrigas das mulheres
Eles giram e eles dançam
Como os sóis cuspiram
Ao som rasgado
De um acordeão rançoso
Eles torcem o pescoço
Para melhor se ouvirem rindo
Até que, de repente
O acordeão morre
Em seguida, o gesto grave
Em seguida, o olhar orgulhoso
Eles trazem suas batavas
À plena luz
No porto de Amsterdã
Há marinheiros que bebem
E que bebem e bebem
E que bebem outra vez
Eles bebem à saúde
Das putas de Amsterdã
De Hamburgo ou de outro lugar
Ao fim, bebem às moças
Que dão a eles seus belos corpos
Que dão sua virtude
Por um pedaço de ouro
E quando eles estão bem bêbados
Levantam seus rostos para o céu
Assoam os narizes nas estrelas
E eles urinam como eu choro
Sobre as mulheres infiéis
No porto de Amsterdã
No porto de Amsterdã."