terça-feira, 3 de março de 2009

Febre

E essa febre que não passa. Da janela, vejo crianças, meninos e meninas brincando numa poça de sol. Quero minha infância de volta. Não foi para isso que eu nasci. Esse ser sem nexo e sem graça. E essa febre que não passa. “....Pernas de estátua, era fidalga, alva e fina. Eu bebia, como um basbaque extravagante, no tempestuoso céu do teu olhar distante, a doçura que encanta e o prazer que assassina. Brilho... e a noite depois! – Fugitiva beldade de um olhar que me fez nascer segunda vez, não mais te hei de rever se não na eternidade? Longe daqui! Tarde demais! Nunca talvez! Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste. Tu que eu teria amado, ó tu que adivinhaste...”.

E essa febre que não passa, que pula de Baudelaire para Ana Paula Mangeon:
“O verbo ser não se aplica à felicidade. Ninguém é feliz, eu também não sou. O que existe são momentos, aquelas horas em que a vida é mesmo bela e outras em que tudo que se quer é morrer nem que seja um bocadinho. Não sou feliz, mas me sinto vivo e vivendo até mesmo nos momentos em que a melancolia me abraça. E, abraçado assim, apertado, eu choro”. É bom, esse estado, essa febre que não passa. É na febre que tudo faz sentido. Ontem recebi a visita de dois amigos: o anjo mau e o demônio bom. Como presente, o anjo mau deixou esta lição: “Segue o teu destino, a tua sina. Aceita tudo sem brigar com Deus; já recebeste o teu pedaço, que era tudo o que estava reservado para ti. Não há amor sem fé, não há fé sem amor. Enxugue essa testa, não chore alto para não incomodar o mundo. E lembre-se: morre-se mais de ilusão que de amor”. Com essa febre que não passa, respondi citando Renato Russo: “Obrigado, por pensar em mim”.

Pedi água ao meu bom demônio, que transferiu o pedido para o anjo mau. Disse-me ele, meu bom demônio: “Vai, levanta-te, agora!”. Não posso. “Pode, o amor pode tudo. Vai, levanta-te, escreve com a tua própria mão o que vou te dizer. E logo, logo, estes escritos estarão com ela; irei deixar. Põe todo o calor dessa febre, nas palavras que vou te dizer: ‘Ainda carrego você nem que seja para uma ilha no Pacífico. E lá construirei o teu reino, onde todos os golfinhos, baleias e tubarões serão teus súditos. Te banharei com água-de-coco e leite de cabra; todas as flores só viverão para ti, te banhando de perfume e atirando-se ao chão, para você pisar. O sol nascerá e desaparecerá apenas quando você quiser; a lua viverá jogada aos teus pés: só subirá com ordens tuas; a função das borboletas será única e exclusivamente bater palmas para você, além de enfeitar e encher de cor a sua vida; as pedras continuarão silenciosas, numa eterna reverência à tua beleza; quinhentos anjos estarão sempre a postos, para tocar as canções que a minha rainha pedir; do vulcão descerão lavras de ouro, pedras de rubi, esmeraldas resplandecentes, só para encantar a minha doce-rainha. As chuvas serão lágrimas: será o choro do céu se um dia minha eterna rainha ficar triste; os camaleões só mudarão de cor quando minha rainha quiser; serpentes bailarinas dançarão para o seu encanto; na ilha, os papagaios só falarão um único nome, o teu nome. Os mais belos filhos terá a minha rainha, tão belos quanto os filhos das deusas da mitologia grega. Na entrada deste pequeno reino, viveremos com um único mandamento: aqui é permitido ser feliz” . Entreguei, e assim adormeci. E essa febre que não passa.
Essa febre é você.

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