quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Um Amigo Para Jerry

Uns olham vitrines, Jerry conversa com manequins. Outros procuram a sombra, Jerry é a própria. Jerry tem 8 anos, vive numa outra dimensão, onde desconfia-se que só deuses habitam. Para Jerry, o óbvio são “arranjos inusitados”. Jerry se basta, aparentemente é feliz no impenetrável mundo seu. Jerry desenha e faz esculturas de massinhas. Também escreve. Seu pálido olhar, quando emite alguma luz, tem a força da energia gasta de uma pequena pilha Ray-O-Vac. Certo dia, Jerry desenhou um labirinto repleto de saídas e uma casa vazia de entradas.
Não importa, para ele tudo é simples, e raro. Ora, para que serve um labirinto sem saídas? Onde é que está a graça? Uma casa vazia de entradas é uma casa vazia de saídas. É uma prisão. “Simples como a vida deve ser”.

Tenho uma inveja saudável do mundo de Jerry, e tento aprender com ele; descobrir o que é essa tal felicidade que cabe em si mesma; mas não consigo, não passo de um comum. No planeta de Jerry habita a luz, protegendo-o de nossas trevas. É para poucos. O mundo em que vivemos é uma fratura exposta como uma melancia partida ao meio, uma escuridão clara de egos inchados e mal iluminados. E mal-resolvidos, também. Do olhar dissimulado cospe-se o fogo da boca que lhe sorri.

O sucesso a qualquer preço, a honra em 3 vezes, sem entrada e sem juros. O riso é de ocasião, vai de acordo com o gosto e o interesse do freguês. Ri-se das próprias piadas, tudo se articula e se macula. Amigos, só se for para falar mal; convite, só se for para se dar bem. “O inferno são os outros”. Existem coisas que o dinheiro compra”; para as outras, nem com o MasterCard. Não se tem notícias de que o Carrefour esteja vendendo índole no peso nem caráter em caixinhas.


Jerry é autista, sua mãe é cartomante, seu pai é motorista e sua irmã, professora de física. Ironicamente o pai não consegue transportá-lo para outros mundos, a mãe não sabe como prever-lhe o futuro e a irmã não resolve essa equação. Jerry resolve a questão dos três, embaralhando o invisível. Mostrando-lhes que “viaja” muito bem, quando, com suas massinhas, dá vida a lagartixas de duas bocas e cinco pernas, ignora o presente porque já nasceu no futuro, suas vacas voam e seus oceanos são vermelhos de sangue-azul.

Esta semana, Jerry perdeu seu melhor amigo, a quem ele ouvia e era ouvido. Bastava um gesto, um olhar, um piscar de olhos. Keko, seu amigo pequenês, morreu atropelado entristecendo o trânsito, em frente à sua casa. Jerry pegou seu amigo nos braços, sorriu. Algo dizia que aquele sorriso não era de alegria pela morte de keko. Que luz é essa que iluminou o sorriso de Jerry? De qual dimensão virá seu novo amigo?


casadasletras@gmail.com

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