quarta-feira, 3 de junho de 2009

Amor eterno amor

Ao abrir a porta do apartamento, um quarto-e-sala, Fred deparou-se com a mesa, como sempre, muito bem posta. Compondo o almoço, embaixo do prato, um bilhete em forma de coração: “Era o que tinha, desculpe-me se não fiz melhor”. Fred procurou a vizinha do 202: “A senhora viu Bia?” Foi embora hoje de manhã”. Acabava-se assim um amor adolescente. “Será? E aquele bilhete em forma de coração? Será que não era só uma fuga do amor?”, pensou Fred. Estava a dois mil quilômetros de onde viera com Bia. Agora estava só! Caiu em prantos, gritando para dentro do travesseiro: “Eu quero a minha Bia!” .
Bia era linda, bela e triste. Não agüentou as traições e a desatenção de Fred.

Conheceram-se quando ele tinha 15 e ela 16 anos. Um namoro que os pais dela não queriam. Os pais de Fred não tinham dinheiro, era Bia quem bancava tudo: cinema, bailes e boates. Dividiam a Coca-Cola e o cachorro-quente, chuva, sereno e piubas de cigarro, as brigas de casa e a cola no colégio. Acho até que foram eles que inventaram a expressão “entre tapas e beijos”. Encontravam-se pela manhã, à tarde e à noite. Como era boa a vida sem celular e Internet. Explodindo em hormônios,transaram em lugares que nem Deus duvida, pois transaram até na Casa de Dele, na sacristia.

Já perto dos 18 e 19 anos, cada vez mais apaixonados e querendo descobrir o mundo,
juntaram uns trocados e resolveram fugir. Queriam livrar-se dos pais e daquela vidinha do interior. Os dois se bastavam. Antes do embarque, na rodoviária, compraram dois confeitos que vinham com uma aliança, cada. Já dentro do ônibus, fizeram a troca da bijuteria , exibiram o dedo anular para os passageiros e foram até aplaudidos. Durou seis meses.
Fred voltou para a cidadezinha, queria reconquistar sua Bia, que para sua surpresa não estava lá. Ninguém sabia o destino de Bia; segredo que só os pais dela sabiam, foram eles que decidiram afastá-la dali. Fred foi embora do lugar.

Vinte anos depois, “numa tarde de um domingo azul”, o telefone toca: “Alô!” “Quero falar com Fred”. “É ele!” “Tudo bem?” “Tudo. Quem é?” “Bia!” “...” “Fred?” “...” Alô, Fred?” “Oi, Bia!” Estavam a 1.500 quilômetros um do outro, ambos casados, com filhos. Bia falou que queria vê-lo, acertaram o dia que ela viria. “Como será que ela está? Como estará a minha Bia?” Fred tinha receio, pois sabia que fora da cabeça a imagem não se congela no tempo. Arranjou um apartamento para ela ficar. Chegou o dia, foi esperá-la.
Não conseguiam olhar-se nos olhos. Fred lembrou-se da letra de uma música que diz
“nossa linda juventude, página de um livro bom...” Vinte anos depois, o roteiro de um filme inacabado pedia seu final. Foram a um restaurante. Não conseguiam falar, queriam ficar só se olhando. Havia ternura e uma pergunta no ar: por que a vida quis assim? Duas da manhã, Fred foi deixá-la no apartamento. “Não vai subir?” “Não, você é uma mulher casada”. “Eu sempre fui uma mulher casada!”, disse Bia, mostrando-lhe aquela aliança do confeito.

casadasletras@gmail.com

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